A "Poética", escrita por Aristóteles, é uma obra seminal que marca um marco fundamental na teoria literária, sendo considerada por muitos como o primeiro tratado sistemático sobre o discurso literário no Ocidente.
Apesar de focalizar a tragédia grega, as ideias apresentadas nesta obra têm reverberações significativas na compreensão e prática da escrita até os dias atuais.
Embora o título "Poética" possa sugerir um estudo abrangente da poesia, Aristóteles concentra-se especificamente na tragédia grega, uma forma de arte peculiarmente ateniense. Sua análise meticulosa desse gênero não se limita apenas à apreciação estética, mas também abrange dimensões éticas e educativas.
A Poética de Aristóteles trata-se de um texto que, por meio dos recursos da arte dramática praticada na época de Aristóteles, exercita a nossa capacidade de agir e viver melhor por meio de uma representação dramática de nossa própria vida. Isso nos leva a considerar a hipótese de que a tragédia exerce uma função social de caráter didático. Todos os conceitos técnicos empregados e discutidos no livro, como, por exemplo, os conceitos centrais de representação ou mímesis e de purificação ou kátharsis devem ser compreendidos a partir desta perspectiva geral.
Entretanto, existem alguns problemas decorrentes da interpretação dos conceitos apresentados por Aristóteles em sua "Poética". Estes problemas estão relacionados principalmente ao contexto histórico e cultural em que as tragédias gregas foram produzidas e encenadas. Esses problemas incluem:
- Descontextualização: Muitas interpretações modernas da "Poética" negligenciam o contexto cultural da Grécia Antiga, onde a tragédia desempenhava um papel central na educação cívica e na transmissão de valores culturais e éticos. Sem considerar esse contexto, a compreensão dos conceitos aristotélicos pode ser distorcida.
- Ênfase na Estética: A interpretação contemporânea tende a se concentrar na estética da tragédia, enquanto Aristóteles também considerava a dimensão ética e educativa. Portanto, a ênfase excessiva na apreciação estética pode levar a uma compreensão limitada dos objetivos originais de Aristóteles.
- Conceitos Peculiares: Aristóteles utiliza uma série de conceitos específicos, como mímesis (imitação), kátharsis (purificação) e outros, que podem ser mal interpretados ou descontextualizados quando não se leva em conta o propósito educativo e social da tragédia grega.
- Papel do Coro: O papel fundamental do coro na tragédia, que servia como um veículo para transmitir valores e normas sociais, pode ser subestimado ou mal compreendido em interpretações modernas que se concentram principalmente nos diálogos das personagens.
Principais ideias
Quando paro para pensar sobre a "Poética", acredito que são dois os principais conceitos que persistiram ao longo dos anos e que tem grande relevância até os dias atuais, sendo eles a mímesis e a kátharsis.
A mimese poética (mimesis) é um conceito importante na teoria literária que se refere à representação ou imitação da realidade através da linguagem poética, com o objetivo de transmitir significado e emoção. Ela possui dois aspectos diferentes: o âmbito da ação e o significado retrato dos universais.
- Âmbito da ação: A mimese no âmbito da ação envolve a ideia de que a poesia imita ou representa eventos e ações do mundo real. Isso significa que os poetas usam palavras e imagens para criar narrativas, contar histórias e descrever eventos que podem ser reconhecidos como experiências humanas comuns. Os poetas frequentemente usam a mimese para criar narrativas que envolvem personagens, cenários e enredos, permitindo aos leitores se identificarem com as situações ou eventos apresentados na poesia.
- Significado retrato dos universais: O significado retrato dos universais refere-se à capacidade da poesia de capturar e transmitir ideias, emoções e conceitos universais que vão além das experiências individuais e específicas. Em vez de apenas imitar a realidade de forma superficial, a poesia procura explorar temas e questões mais amplas que podem ser relevantes para todas as pessoas. Os poetas muitas vezes usam metáforas, símbolos e linguagem figurativa para expressar ideias abstratas, como amor, morte, beleza, liberdade e justiça. Esses temas universais permitem que a poesia seja uma forma de expressão que transcende as barreiras culturais e temporais, conectando-se com leitores ao longo do tempo e do espaço.
Kátharsis
Para entendermos o que é a catarse para Aristóteles, precisamos primeiro nos aprofundar um pouco melhor nas tragédias.
Esse famoso gênero teatral nasceu na Grécia Antiga, originado a partir dos ditirambos – corais dedicados ao deus Dionísio. Neles, eram entoadas, em coro, canções exaltando o deus. Expressões literárias como a poesia lírica e a poesia épica também influenciaram o texto trágico. A tragédia grega é um drama que geralmente inclui um personagem central – um herói trágico – que enfrenta um poder transcendental, como o destino, que controla o fluxo dos acontecimentos. No final, após intensa luta, o herói, incondicionalmente, é punido com um grande sofrimento por sua ousadia. Nesse momento, tamanha é a emoção provocada pelo desfecho, que o público é atingido por uma espécie de sofrimento alheio.
Segundo Aristóteles, essa experiência, intitulada por ele de “catarse”, era benéfica aos espectadores, pois estes sentiam tanta compaixão e pena pelo destino do herói, que eram submetidos a um “exorcismo coletivo”, purificando assim suas almas.
A definição de tragédia de acordo com Aristóteles, conforme apresentada no trecho de sua obra "Poética", é fundamental para entender sua visão sobre esse gênero dramático:
- Imitação de uma ação elevada e completa: Aristóteles enfatiza que a tragédia imita uma ação, o que significa que se concentra em eventos e ações que acontecem no palco, em vez de se basear principalmente na narração. Essa ação deve ser "elevada e completa", o que significa que deve envolver personagens importantes e eventos significativos.
- Extensão: Isso se refere ao tamanho e escopo da história. Uma tragédia não deve ser muito curta ou muito longa, mas deve ter uma extensão apropriada para permitir o desenvolvimento adequado da trama e dos personagens.
- Linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas partes: A linguagem utilizada na tragédia deve ser poética e estilisticamente elaborada. Cada parte da peça, como os diálogos, monólogos e coros, deve ser tratada de maneira artística e decorativa, contribuindo para a experiência estética geral.
- Uso da ação em vez da narração: Aristóteles enfatiza que a tragédia deve se concentrar na apresentação da ação no palco, em vez de depender da narração de eventos passados. O público deve testemunhar os eventos à medida que eles se desenrolam, criando uma conexão emocional mais forte.
- Compaixão (eleos) e temor (phobos): A tragédia deve evocar sentimentos de compaixão e temor no público. Os espectadores devem sentir empatia pelos personagens e, ao mesmo tempo, experimentar um temor pelo que pode acontecer a eles.
- Purificação (katharsis) de tais paixões: Um dos conceitos-chave na tragédia aristotélica é a ideia de que a experiência da tragédia permite ao público “purificar”, ou provocar a catarse, suas próprias emoções, através da compaixão e do temor. Ao vivenciar as tragédias dos personagens no palco, os espectadores podem liberar suas próprias emoções reprimidas e, assim, alcançar uma sensação de alívio ou clareza emocional.


